segunda-feira, 9 de março de 2009

As Universidades Comunitárias Gaúchas e a diversificação do sistema de educação superior no Rio Grande do Sul *

Apresentação
Na presente tese me proponho a analisar, a partir da perspectiva da teoria dos sistemas sociais auto-referenciais, o modelo de gestão e funcionamento das chamadas universidades comunitárias gaúchas com o objetivo de identificar as convergências entre elas que permitem distinguir a especificidade das universidades comunitárias como instituições públicas não-estatais e explorar as possibilidades de sua percepção como um subsistema do sistema de educação superior brasileiro, além de verificar a função deste subsistema no âmbito dos processos de diversificação e expansão do ensino superior decorrentes das demandas e desafios colocados à educação superior pelo processo de transformação das sociedades contemporâneas.
A análise se deterá sobre dois momentos históricos específicos – o da constituição do COMUNG e criação das novas universidades que o compõem, que vai de meados da década de 1980 até meados da década de 1990, e o momento atual, a partir da promulgação da nova LDB (lei 9394/96) até o presente – que correspondem, respectivamente, à quarta e à quinta fases da evolução do ensino superior no Rio Grande do Sul segundo a periodização proposta por Neves (2003: 200)i.
Reconhecendo que a noção de universidade comunitária não está clara nem no âmbito da legislação educacional e nem entre aquelas instituições que assim se autodenominam, este estudo procura verificar as características específicas das universidades comunitárias no período definido por Neves como o da sua consolidação (meados de 1980 a 1996) e comparar estas características com as assumidas no período posterior para verificar se confirmam-se ou não as tendências apontadas por Neves (2003:215), de uma diluição da experiência original das comunitárias gaúchas, com o objetivo de entender e explicar como e em que nível de complexidade as transformações do entorno funcionam como estímulo (Luhmann, 1998:246) para a evolução e diferenciação do sistema e, inclusive, seu desaparecimento ou transformação em outro sistema. Ou seja, a partir de uma pergunta crucial – o que torna possível falar em universidade comunitária?, o que significa ser uma universidade comunitária? – pretendo verificar se a fronteira que define o sistema das universidades comunitárias ainda existe e, se não, entender o que temos em seu lugar e explicar o que produziu esta modificação no mecanismo diferenciador do sistema.

Objeto
A análise histórica de como foi produzido o sistema de ensino superior no Brasil revela uma forte dependência em relação ao Estado e uma relativa sensibilidade do sistema às grandes transformações da sociedade, num processo que resultou na configuração de um sistema de ensino superior heterogêneo e diversificado, com uma grande variedade de tipos de instituições (universidades, federações de escolas, faculdades integradas, faculdades isoladas e, mais recentemente, centros universitários) distribuídas por distintas dependências administrativas (federais, estaduais, municipais e privadas – estas últimas subdivididas ainda em particulares, confessionais e comunitárias) e com diferentes estruturas organizacionais.
Dentro deste sistema, o estado do Rio Grande do Sul desde o início caracterizou-se pela preocupação com a interiorização do ensino superior (Neves, 1992, 2002) e, mais recentemente, com a sua regionalização, através dos chamados "projetos de integração regional". Desenvolvidos pelas novas universidades que são constituídas na década de 1960, especialmente a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pela Fundação de Integração, desenvolvimento e Educação da Região Noroeste do Estado (FIDENE), mais tarde transformada em Universidade de Ijuí (UNIJUÍ), atualmente designada Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, estes projetos de integração regional organizaram-se em torno de três pontos básicos de reflexão e de intervenção:
a."o da interiorização do Ensino Superior, como um projeto de fortalecimento e autonomização de regiões sócio-econômicas demarcadas. (...)
b.o do papel da instituição de Ensino Superior como formadora dos recursos humanos e produtora dos conhecimentos para a consecução daquela meta, bem como, de pólo cultural amplo, e assim, de promotor do desenvolvimento. (...)
c.e o da necessidade de adequação organizacional e estrutural às novas relações com o meio. Isso implicava em novos modelos de Instituições de Ensino Superior, novos métodos de trabalho e formas de organização. (...)" (Neves, 1992:98).

A partir de meados da década de 1980 e até meados da década de 1990, por conta da não consolidação dos projetos de integração regional, especialmente por dificuldades de financiamento e falta de apoio do poder público, as universidades emergentes neste período no Rio Grande do Sul, juntamente com as universidades fundadas na década de 1960, retomam o projeto de regionalização agora sob a perspectiva do compromisso com a comunidade, passam a se auto-referir como universidades comunitárias e, em março de 1993, firmam um Protocolo de Ação Conjunta constituindo o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas, o COMUNG, objetivando a "viabilização de um processo integrativo que resulte no fortalecimento individual das instituições e no conseqüente favorecimento da comunidade universitária rio-grandense" (COMUNG, 1994: 6).
Em documento posterior, as instituições signatárias deste Protocolo1 definem-se como
"universidades públicas não estatais, públicas pela lógica de seu funcionamento vinculado aos interesses do conjunto da sociedade e não regido pelo lucro, configurando-se como organizações não-governamentais de origem e interesse comunitário, desvinculadas de grupos familiares, políticos, religiosos, empresariais ou sindicais" (COMUNG, 1994: 4)
e afirmam seu caráter comunitário como decorrente de sua
"origem na vontade e no esforço da comunidade, da articulação e comprometimento com a comunidade regional, da sua inserção na história do povo da região, da sua gestão democrática e transparente, da sua autogestão pela comunidade acadêmica com a participação institucionalizada do poder público e de entidades representativas da sociedade civil nos órgãos colegiados e pela sua política de extensão universitária à comunidade" (COMUNG, 1994: 5).
Aceitando-se esta auto-definição das universidades comunitárias gaúchas e indo-se buscar elementos empíricos que a confirmem, nos deparamos com a existência de diferentes realidades no âmbito das referidas universidades, resultado em parte das especificidades históricas de cada IES e das características regionais, e em parte da existência de diferentes compreensões sobre o que é ser uma universidade comunitária.
Na perspectiva que adotamos, o que distingue a universidade comunitária das universidades particulares é a inexistência de fins lucrativos, a transparência administrativo-financeira, o controle público das atividades da instituição, a democracia interna, a prestação de contas à sociedade e ao poder público e a ênfase no desenvolvimento da comunidade regional. E é neste sentido que se pode caracterizar as universidades comunitárias como instituições públicas não-estatais.
Para qualificar esta caracterização das instituições e refletir, ao mesmo tempo, sobre a noção de público não-estatal, penso ser importante retomar o processo histórico de constituição de uma série de iniciativas pró-ensino superior desencadeadas em diferentes regiões do Rio Grande do Sul, tal como é apresentado por Neves (1992, 1995, 2003) e por Frantz (2002). Este último, por exemplo, afirma que no Rio Grande do Sul, "enraizadas em tradições históricas, nasceram e se desenvolveram universidades comunitárias e regionais", experiências novas e diferentes cuja "organização e funcionamento acontecem no espaço da ampliação da esfera pública" (Frantz, 2002: 17, grifos do autor). Para Neves, por outro lado, apesar da dificuldade de definição das universidades comunitárias, há consenso num ponto: "estas instituições privadas desenvolvem intensa atividade em articulação com as administrações municipais e os segmentos sócio-econômicos da região em que estão inseridas" (Neves, 1992: 104). Para Neves estas instituições representam "projetos de integração regional" (Neves, 1992: 97), que pretendiam "mobilizar e articular as administrações municipais da região ao projeto de criação e implantação de uma universidade" (Neves, 1992: 98) que deveria se constituir como uma instituição destinada "a irradiar dinamismo e desenvolvimento para a região (...) [e] atuar fortemente como suporte da ação do setor público na promoção da demanda regional" (Neves, 1992: 98), caracterizando uma "proposta regional e comunitária" (Neves, 1992:108) que se materializou em instituições fundadas como pessoa jurídica de direito privado.
Para Frantz o surgimento destas universidades ocorre num contexto de "ausência do poder público no espaço de organização do ensino superior" (2002:18), não podendo, portanto serem entendidas como iniciativas de "privatização do espaço da educação, mas de um esforço pela construção de novos e ampliados espaços públicos de educação" (2002:17), esforço este caracterizado como "experiência fundante de uma natureza pública não-estatal" (2002:18). Feita esta primeira caracterização da experiência das universidades comunitárias gaúchas como ampliação do espaço público a partir da reivindicação de uma natureza pública não-estatal, na qual o caráter público deriva da sociedade e não do Estado, Frantz entende que a expressão “instituição comunitária", através da qual estas universidades se autodenominam, apresenta algumas dificuldades de compreensão derivadas de sua imprecisão conceitual, justificando-se então perguntar
"o que é fundante na construção do conceito: uma estrutura de valores, a estrutura das relações de poder presentes nos tipos de organização, as relações de propriedade dos bens a serviço da prática acadêmica? Onde estão as 'fronteiras' do termo: na propriedade patrimonial, nos serviços, na identificação cultural, política, social, na espacialidade das ações, na estrutura de valores e idéias, na missão, nos propósitos? A partir do que, de quem e para quem se dá o comum? Como se produz o comunitário?" (Frantz, 2002: 19)
Colocada a interrogação nestes termos, Frantz apresenta uma rica revisão da literatura sobre o assunto, resenhando desde teses de doutorado a depoimentos de dirigentes universitários, documentos das universidades e de diversas entidades representativas do setor, sem esquecer os diplomas legais que regulamentam o tema. Nesta empreitada tanto procurou resumir as semelhanças como destacar as diferenças, tanto de entendimento como de vivência, uma vez que para ele a "expressão universidade comunitária é um conceito e uma prática" (Frantz, 2002: 20).
Em seu trabalho, Frantz faz um detalhado exame do contexto histórico do surgimento das universidade comunitárias gaúchas e dedica um bom espaço para o exame das origens e do significado da expressão "instituição comunitária" no campo da educação, além de, após ter definido estas instituições como públicas não-estatais, analisar de onde derivam tanto o caráter comunitário como o caráter público destas universidades.
Para termos uma descrição suficientemente precisa das iniciativas comunitárias no campo da educação superior é preciso destacar ao menos os seguintes aspectos característicos das universidades comunitárias pensadas como instituições públicas não-estatais: "a propriedade, a destinação e o controle do patrimônio da mantenedora, a eleição de seus dirigentes; a gestão, a representação e a participação da comunidade na universidade" (Frantz, 2002:21). Se quisermos uma lista completa de características fundamentais das universidades comunitárias seria preciso acrescentar a estrutura do poder, o processo de controle e aprovação dos orçamentos e relatórios de gestão, a finalidade não-lucrativa, a inserção na vida da comunidade e a prestação de serviços à comunidade (Frantz, 2002: 27-34, 69-73).
Um documento importante para a discussão da definição de universidade comunitária no sentido entendido no Rio Grande do Sul (e que as IES do COMUNG procuram introduzir no debate nacional sobre a educação superior) é a declaração final da reunião de reitores das universidades integrantes do COMUNG realizada em Passo Fundo no dia 7 de dezembro de 1998. Este documento pode ser considerado como uma auto-definição da natureza pública não-estatal e comunitária destas universidades, apresentando as características que, no entendimento de seus reitores, permite distingui-las com clareza das demais universidades privadas, tanto particulares como confessionais. Considerando a dificuldade de acesso ao documento e ao seu caráter fundante da discussão sobre a natureza das universidades comunitárias, entendo que é justificado fazer uma citação de um longo trecho:
"a) As universidades acima identificadas são instituições públicas não-estatais, surgidas de iniciativas essencialmente comunitárias, e definidas como não confessionais, não-empresariais, e sem alinhamento político-partidário ou ideológico de qualquer natureza.
b) Desenvolvem um serviço educativo e científico sem fins lucrativos sendo todos os seus excedentes financeiros reaplicados em educação, só em território nacional.
c) O patrimônio dessas instituições não pertence a um dono, grupo privado ou confissão religiosa, mas a fundações comunitárias, cuja totalidade dos bens tem, conforme o explicitado em seus estatutos, destinação pública revertendo, em caso de dissolução para o controle do Estado. Os dirigentes dessas fundações não são remunerados no exercício de sua função. Seus balanços são de domínio público – após análise e aprovação internas, são submetidos a auditores independentes, a um conselho de curadores e à aprovação do Ministério Público.
d) No que se refere à gestão, caracterizam-se pela eleição democrática de seus dirigentes, de que participam todos os segmentos da comunidade acadêmica e representantes da comunidade regional. Ressalta-se que de seus conselhos superiores, participam também representantes da comunidade externa.
e) As atividades de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidas por essas instituições, têm uma vinculação privilegiada com a comunidade regional, destacando-se projetos ligados à promoção humana e social de segmentos excluídos ou de camadas da população de menor poder aquisitivo: menores, idosos, deficientes, analfabetos, moradores de periferia, pequenos agricultores, indígenas, doentes, presidiários etc.
f) Sua localização geográfica e vinculação social permitem o acesso ao ensino superior dos alunos que, a princípio, tem dificuldade de ingressar nas universidades públicas-estatais. Nesse sentido, as públicas não-estatais são a única possibilidade de democratização do ensino superior em sua região de abrangência, não apenas pela proximidade geográfica de seus alunos, mas também por praticarem custos de manutenção compatíveis com a realidade regional.
g) Estas instituições, valendo-se dos incentivos fiscais derivados da filantropia, implantaram, de forma criativa, mecanismos para a manutenção de alunos oriundos de classes menos privilegiadas, instalando programas de bolsas, fundos de apoio e, especialmente, políticas de mensalidades acessíveis às possibilidades econômicas das famílias da região." (COMUNG, 1998)
Com esta longa citação podemos nos dar por satisfeitos a respeito da auto-definição de seu caráter comunitário pelas universidades comunitárias do Rio Grande do Sul, mas este é apenas o início do trabalho, sendo necessário agora todo um esforço de análise desta auto-definição e de sua coerência com a realidade das universidades que assim se auto-definem. Este esforço deve destacar dois momentos específicos, o da consolidação do modelo das universidades comunitárias e o da diversificação atual da sistema de ensino superior no Rio Grande do Sul, de modo a poder verificar se as auto-denominadas universidades comunitárias continuam a funcionar de acordo com o modelo de meados de 1980, conforme este foi caracterizado por Neves (1995, 2003), ou se, no processo de diversificação do sistema, para fazer frente as novas exigências, elas modificaram seu modelo de gestão e passaram a funcionar como organizações complexas, deixando de lado as características comunitárias.
Para Neves, apesar de existirem algumas diferenças entre as diversas IES que são caracterizadas como comunitárias, é possível identificar uma definição consensual: "Universidade Comunitária é uma universidade privada, mantida e administrada por grupos leigos ou profissionais, mas de caráter público não-estatal, voltada para interesses exclusivamente educacionais" (Neves, 2003:207-08). Com esta definição, ao destacar-se a administração por grupos leigos, deveria ficar clara desde logo a distinção entre comunitárias e confessionais, porém não é o que acontece, já que, na verdade, muitas destas instituições originam-se do esforço e interesse de grupos confessionais (Neves, 2003:210), o que tende a manter a ambigüidade da definição de universidade comunitária. No texto citado, Neves vai dedicar diversas páginas a esta questão, procurando deixar mais clara a distinção. Assim, diz ela,
"cabe destacar os aspectos que caracterizam e diferenciam as universidades comunitárias de outros modelos universitários: o patrimônio; o regime financeiro;; o orçamento; a administração das universidades e a representação comunitária; a organização da atividade acadêmica e a vocação regional" (Neves, 2003: 212).
Cada um destes aspectos precisará ser explicitado e qualificado para termos uma boa compreensão do significado de uma universidade comunitária e podermos construir uma caracterização que funcione como um modelo destas instituições no período em que elas se consolidam, modelo este que servirá para confrontar com as características assumidas por estas universidades no período seguinte (após 1996) e mensurar o quanto estas modificações as afastam (ou não) da concepção de universidade comunitária .

Problema de pesquisa
Comparando a concepção e o funcionamento destas universidades nestes dois momentos será possível buscar respostas para os principais questionamentos da tese:
o modelo de gestão e funcionamento consolidado no primeiro período citado pode ser caracterizado como público não-estatal?
este modelo, que distinguiu as universidades comunitárias como uma realidade específica no seio do ensino superior no Rio Grande do Sul, persiste hoje na prática destas instituições, ou, ao contrário, as novas condições e desafios colocados à educação superior pela intensificação do processo de globalização da economia mundial, pela utilização de novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) e pelo processo de expansão do ensino superior privado no Brasil durante os anos 90, provocaram modificações substanciais neste modelo a ponto de hoje estas universidades não funcionarem mais como instituições comunitárias, assemelhando-se mais a organizações complexas, de modo que a utilização da expressão universidade comunitária por elas seria mais uma grife do que a designação de um diferencial?
Caso se verifique esta última hipótese, cabe entender como e porque se deu este processo de modificação crucial do mecanismo construtor (diferenciador) do sistema (Rodriguez e Arnold, 1991: 140) e qual foi, entre as inúmeras possibilidades de fechamento do sistema, aquela selecionada por estas universidades.
No caso de uma persistência do modelo comunitário original, caberá verificar se isto ocorre em todas as universidades estudadas ou em apenas algumas (quais?) e se este modelo se mostra, efetivamente, como uma alternativa viável para a expansão, diversificação e flexibilização do sistema universitário brasileiro, como aponta Durham (Durham, 2002: 44).

Objetivos
Objetivo geral
Identificar a especificidade das universidades comunitárias do Rio Grande do Sul no interior do sistema de educação superior no Brasil e verificar como se deu a diferenciação desse subsistema a partir de 1996, de modo a compreender em que medida a intensificação dos processos de globalização econômica e de inovação tecnológica, associados à diversificação e expansão do sistema de ensino superior, estimularam a diferenciação do subsistema das universidades comunitárias e se esta diferenciação se deu no sentido de um aprofundamento da experiência original das universidades comunitárias ou no sentido de sua transformação em organizações complexas.
Objetivos específicos
descrever o sistema de educação superior no Rio Grande do Sul nos termos de uma teoria da sociedade que considera a educação como um sistema parcial da sociedade, dedicando uma atenção particular à especificidade do subsistema das universidades comunitárias;
verificar se uma perspectiva sociológica de alto grau de abstração, como a teoria de sistemas sociais, pode ser aplicada a um âmbito concreto com uma delimitação empírica bem definida, no caso, as universidades comunitárias gaúchas;
utilizar as noções de diferenciação funcional e de interpenetração de sistemas para compreender o desenvolvimento histórico do sistema de educação superior no Rio Grande do Sul e identificar os pré-requisitos funcionais que conduziram à diferenciação, no seu interior, do subsistema das universidades comunitárias;
compreender a noção de comunitário dentro da discussão sobre o setor público e o setor público não-estatal.

Hipóteses
o que caracteriza uma universidade como comunitária não é nem o poder instituidor nem a representação da sociedade em seus conselhos superiores, mas o seu modelo de gestão e o seu compromisso regional;
as universidades comunitárias, na configuração da sua experiência original, poderiam constituir uma alternativa viável para a expansão com qualidade do sistema de educação superior no Brasil;
o modelo de gestão e funcionamento das universidades comunitárias gaúchas distingue-se tanto do modelo das universidades estatais como do modelo de gestão das universidades confessionais e das universidades particulares, de modo que a dicotomia público/privado não dá conta da complexidade do sistema de educação superior no Brasil, sendo necessário introduzir na análise a noção de público não-estatal para dar conta do modelo comunitário;

Quadro teórico
Conforme Luhmann, sistemas são redes de produção de componentes que através de suas interações geram e realizam recursivamente a rede que os produz e constituem os limites da rede (Luhmann, 1990), sendo possível compreender os sistemas sociais como redes de elementos que se constituem na e pela interação entre si, quando constituem também a sua identidade e as fronteiras que os distinguem do ambiente. Nesta perspectiva, diz ele, é possível conceber os sistemas sociais como sistemas autopoiéticos, sistemas operacionalmente fechados e capazes de acoplamento estrutural a outros sistemas que constituem o seu entorno, usando a comunicação como seu modo particular de reprodução autopoiética (Luhmann, 1990:3).
Luhmann, portanto, compreende a sociedade como um sistema composto por comunicações que evolui historicamente por meio de diferenciações funcionais que dão origem a uma rede de sistemas sociais - o direito, a economia, a política, a religião, a educação, etc. - os quais, por sua vez, se diferenciam internamente, originando sistemas parciais ou sub-sistemas, e assim sucessivamente. A enorme complexidade da sociedade contemporânea só pode ser compreendida e manuseada através de reduções sucessivas. A idéia de redução da complexidade é uma das bases da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos, sendo que a função principal de sistemas sociais específicos, como a religião, a família, as universidades, as empresas, o direito, a ciência, a economia, etc., é justamente de reduzir a complexidade do mundo de forma que ela possa ser entendida pelas pessoas (ou, na linguagem de Luhmann, pelos sistemas psíquicos). Numa solução paradoxal, para reduzir a complexidade do ambiente os sistemas precisam aumentar a sua própria complexidade através da diferenciação interna e a criação de novos e sucessivos sub-sistemas, para os quais os sistemas funcionais funcionam como entorno, sendo a sociedade (o sistema societal, que compreende todas as comunicações possíveis) o ambiente de todos os sistemas sociais, isto é, o sistema encompassador de todos os demais tipos de sistemas sociais (sistemas funcionais, interações, organizações).
Pode-se analisar nestes termos o sistema educacional, que por exigências de suas operações internas e por exigências do aumento da complexidade da sociedade, também se diferencia internamente em subsistemas, aumentando a sua complexidade. Constituem-se, assim, os sub-sistemas de ensino fundamental, de ensino médio, de educação profissional, de educação superior etc. Por sua vez, cada um destes sub-sistemas diferencia-se também em tantos outros sub-sistemas quantos forem necessários para dar conta da complexidade que eles têm por função reduzir. Assim, o sistema da educação superior diferencia-se internamente nos subsistemas de universidades, centros universitários, unidades isoladas. Por sua vez, o sub-sistema universidade diferencia-se em ainda outros sub-sistemas: universidades públicas, universidades privadas, universidades confessionais, universidades comunitárias, etc., de acordo com o princípio de seletividade acionado pelo observador e pelo sistema ele mesmo, através de suas operações auto-referenciais. Uma universidade específica, por seu turno, pode ser observada como um sistema autônomo de tipo organizacional, o qual também diferencia-se internamente em distintos sub-sistemas (sub-sistema de ensino, sub-sistema de pesquisa, sub-sistema de extensão, sub-sistema de gestão).
Dentro do quadro teórico descrito, ou seja, a partir de uma abordagem que pressupõe uma teoria da sociedade que compreende a educação como um sistema parcial da sociedade moderna, o sistema de educação superior no Brasil será observado dedicando-se uma atenção particular, em seu interior, para o sub-sistema das universidades comunitárias, mais especificamente para as universidades comunitárias do Rio Grande do Sul, procurando verificar a sua especificidade e o seu papel no âmbito do sistema de educação superior brasileiro. Portanto, este estudo busca entender, através de uma abordagem sociológica da diferenciação do sistema de educação superior no Brasil, o que permitiu distinguir as universidades comunitárias gaúchas como um subsistema do sistema de educação superior e se esta distinção continua aplicável na situação atual.

Quadro metodológico
serão adotadas metodologias qualitativas, utilizando como técnicas de coleta de dados a pesquisa documental e a realização de entrevistas e, como técnica de análise, a análise de conteúdo;
serão realizadas entrevistas semi-estruturadas com os reitores das universidades comunitárias gaúchas, com os ex-reitores destas universidades que foram fundadores do COMUNG, com o presidente da ABRUC, com lideranças locais nos municípios de abrangência das universidades (líderes empresariais, sindicais, políticos e de associações civis) e com dirigentes dos COREDES;
serão analisados os Estatutos da ABRUC e do COMUNG, os Estatutos e Regimentos das IES membros do COMUNG, bem como seus orçamentos, diretrizes orçamentárias e Plano de Desenvolvimento Institucional. Também serão analisadas a LDB (Lei nº 9394/96) e o Plano Nacional de Educação.

Referências bibliográficas
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3.LUHMANN, Niklas. Essays on self-reference. New York: Columbia University Press, 1990.
4._______________ . Social systems. Stanford: Stanford University Press, 1995.
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7.MARTINS, Carlos Benedito. "O novo ensino superior privado no Brasil". In MARTINS, C. B. (org.) Ensino Superior Brasileiro, São Paulo: Brasiliense, 1989, p.11-48.
8.NEVES, Clarissa Eckert Baeta. "Ensino Superior no Rio Grande do Sul: Interiorização e Modelos Regionais". In: MOROSINI Marília & LEITE, Denise (orgs.) Universidade e Integração no Cone Sul. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1992, p. 95-112.
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12.RODRÍGUEZ, Darío y ARNOLD, Marcelo. Sociedad y Teoría de Sistemas. Santiago do Chile: Editorial Universitaria, 1991.

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