terça-feira, 24 de março de 2009

Universidade e inovação tecnológica na sociedade informacional *

Neste texto pretendo discutir, numa abordagem sociológica, alguns aspectos da relação entre a universidade e a inovação tecnológica no contexto das transformações históricas em curso na sociedade contemporânea, as quais irei caracterizar como uma revolução tecnológico-informacional que dá origem a um novo paradigma sócio-técnico que está na base da constituição de uma nova forma social, a sociedade em rede.
A abordagem sociológica da inovação tecnológica precisa ser uma abordagem ampla, que dê conta tanto dos seus aspectos propriamente científicos e tecnológicos como dos aspectos sociais e econômicos, tal como foi tratada a questão no Seminário de Sociologia da Inovação ministrado no segundo semestre de 2004 pelo professor Renato de Oliveira no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com o objetivo de
"estimular a reflexão sobre o fenômeno da Inovação em Ciência e Tecnologia desde uma perspectiva sociológica, ressaltando a possibilidade de esta permitir uma abordagem ampla que, levando em conta a complexidade do fenômeno e integrando suas dinâmicas econômica, histórica e sócio-culturais, contribui para evitar reducionismos tecnicistas" (Oliveira, 2004:1),

o referido seminário buscou integrar as abordagens clássicas de Karl Marx1 e Max Weber2 com a também clássica teoria econômica de J. Schumpeter3 e a análise filosófica empreendida por Hannah Arendt4, como pré-condição para o estudo da inovação no capitalismo contemporâneo5 e a posterior análise dos novos significados da tecnologia na economia do conhecimento e na sociedade em rede6.
No espírito do que foi tratado no Seminário, o que se espera como resultado desta discussão é poder avançar algumas possibilidades de resposta para a questão de como fomentar inovações em ambientes sociais concretos, ou seja, como gerar uma capacidade de inovação tecnológica e social num país, numa região ou numa comunidade. Para isso é preciso começar perguntando o que é inovação.

Inovação econômica no capitalismo
Como ponto de partida assumo o pressuposto geral do Seminário supra-referido, de que a inovação é um fenômeno da modernidade ocidental, mais especificamente do capitalismo, que precisa ser tratado no âmbito de uma teoria da ação e que depende da existência de um sujeito que inova. Esse pressuposto nos conduz à compreensão de que a inovação é um fenômeno que vai contra a tradição e que para se impor precisa superar os arranjos costumeiros que garantem a estabilidade de qualquer sistema social, ou seja, a inovação não depende da demanda, mas da ação de empreendedores dotados de inventividade.
Esta perspectiva já está colocada na análise de Max Weber e é bastante detalhada por Giovanni Arrighi em sua retomada da noção schumpeteriana do "fluxo circular da vida econômica" para entender as ondas longas de "depressão" e "prosperidade" do capitalismo. Para Max Weber, cuja preocupação central de não é com o capitalismo mas com a modernização e racionalização do mundo, a inovação é uma necessidade da economia capitalista, pois sem ela esta não supera seus limites naturais. Weber entende a ciência e a técnica como componentes essenciais de um processo de racionalização que estrutura um modo de pensamento dentro do qual os sujeitos adquirem a capacidade de agir em relação a fins, isto é, adquirem uma racionalidade. Para ele o capitalismo é um fenômeno resultante de um processo de racionalização do mundo que se restringe ao Ocidente, e a economia capitalista só pode ser compreendida no contexto da produção de uma racionalidade que passa pelo terreno da ética e da constituição do indivíduo como um sujeito autônomo, capaz de pensar e agir em conseqüência do que pensa. Ao colocar a inovação dentro da âmbito de uma teoria da ação7 que concebe o indivíduo como um sujeito autônomo, Weber coloca a liberdade como um problema central para a sociologia da inovação ao perguntar em que condições certos indivíduos são capazes de realizar a inovação, isto é, de romper com a tradição na atividade econômica.
Giovanni Arrighi tem como ponto de partida de sua análise do capitalismo contemporâneo o modelo de Schumpeter8, mas critica o fato de a teoria do fluxo circular de riquezas conduzir à compreensão da economia como uma atividade estática e fechada em si mesma, dando demasiada ênfase à tendência de gerar ordens costumeiras, ou seja, "regras e normas de interação que minimizam as chances de grandes interrupções no fluxo circular da vida econômica" (Arrighi, 1997:21). Para Arrighi a especificidade do capitalismo é a intermediação de empresas capitalistas no fornecimento de insumos e produtos, as quais estão voltadas continuamente para a geração de lucro através do estabelecimento, alongamento, aprofundamento e reestruturação de cadeias de mercadorias, isto é, de "novas combinações insumo-produto" (Arrighi, 1997: 21-2), matriz das inovações econômicas. Arrighi procura aperfeiçoar o modelo de Schumpeter descrevendo a economia como um sistema em equilíbrio constituído por três subsistemas interdependentes - o sistema de Estado, o sistema interempresas e o sistema de domicílios - cada um deles voltado para um tipo específico de produção e com um tipo específico de demanda e que mantém relações complexas entre si: o Estado produz proteção para empresas e domicílios, as empresas produzem meios de proteção para o Estado e meios de subsistência para os domicílios e estes produzem trabalhadores para o Estado e para as empresas. O Estado tem por objetivo a acumulação de poder, as empresas buscam a acumulação de capital e os domicílios buscam segurança e estabilidade. Como os Estados não existem isolados, gera-se um sistema interestados. As empresas, por sua vez, num sistema mundial, relacionam-se com o seu Estado mas também com outros Estados, de modo que temos uma competição entre empresas (o sistema interempresas), competição entre Estados (o sistema interestados) e competição entre o sistema de empresas e os Estados. Entendendo os domicílios como o espaço do hábito e do costume, Arrighi apresenta a empresa como o espaço onde se dá a inovação. Contudo, embora a inovação surja na empresa, é preciso o apoio do Estado, tornando necessária uma aliança entre empresas e Estados9.
O que propicia que a inovação surja no sistema interempresas é a lógica própria desse sistema: a acumulação para melhorar a posição relativa no sistema. Ou seja, para subsistir as empresas precisam acumular, mas o que lhes interessa não é o seu volume bruto de acumulação e sim a sua posição relativa frente a outras empresas. Para melhorar sua posição relativa as empresas entram em luta competitiva e isso gera um fator de desequilíbrio no sistema: a inovação (Arrighi, 1997: 21-2)10, que será definida por Arrighi como "a introdução de novos métodos de produção, novas mercadorias, novas fontes de suprimento, novas rotas de comércio e mercados e novas formas de organização" (Arrighi, 1997:148).
Penso que o modo como Arrighi coloca a questão da inovação econômica no capitalismo é bastante profícuo para a análise da concorrência intercapitalista, tanto ao nível da competição entre empresas como entre países, mas entendo que para dar conta da compreensão da transformação histórica que estamos vivendo e de seus desdobramentos na organização da atividade produtiva11 e na cultura12, é preciso enfatizar o caráter tecnológico e informacional da "nova economia" e abordar a inovação tecnológica.


Inovação tecnológica na sociedade em rede
As três últimas décadas do século XX foram palco de uma das mais extraordinárias mudanças históricas já vistas pela humanidade, comparável, em sua magnitude, ao conjunto de transformações econômicas, políticas, culturais, sociais e tecnológicas que caracterizaram o surgimento do mundo moderno. A globalização, tecnização e informatização da sociedade contemporânea têm provocado profundas alterações na organização da atividade produtiva, com a passagem do modelo taylorista-fordista13, para o modelo da especialização flexível14.
Estas transformações, que continuam em curso neste início de século, têm sido objeto da atenção de diversos autores que, sob diferentes perspectivas, concordam que as novas opções tecnológicas e organizacionais utilizadas para superar o esgotamento da base técnica em uso não incidem apenas sobre o processo de trabalho, mas são mudanças societais15 que caracterizam uma ruptura com os padrões da sociedade industrial. Chamada de sociedade pós-industrial (Lyotard, s.d.), sociedade informática (Schaff, 1995), sociedade tecnizada (Machado, 1993) ou sociedade em rede (Castells, 1999), a nova forma social que se vislumbra sob estas transformações é a de uma sociedade globalizada e altamente tecnizada, na qual a produção econômica se vale de uma utilização intensiva do conhecimento através das inovações tecnológicas oferecidas pela microeletrônica, pela informática, pela biotecnologia e pelas novas tecnologias de comunicação.
Este novo padrão de concorrência intercapitalista em torno da acumulação de tecnologia exige contínuos ajustamentos da base técnica da produção às determinações das necessidades de valorização do capital. A competitividade requer contínuo aumento da produtividade pelo aumento do controle e da racionalização do trabalho e pela redução dos custos de cada unidade produzida. Para tanto, busca-se diminuir o tempo de trabalho socialmente necessário incorporado a cada mercadoria através de inovações tecnológicas e organizacionais com vistas à elevação dos lucros. Contudo, a posterior (e cada vez mais rápida) generalização da inovação tecnológica pode provocar uma nova era de crise de acumulação e a conseqüente perda relativa da rentabilidade. Nessa lógica, para garantir a lucratividade e a capacidade de acumulação de cada empresa, a concorrência intercapitalista força a obsolescência do padrão tecnológico vigente e patrocina novas inovações tecnológicas e assim sucessivamente.
Nessa nova forma social que vem sendo gestada nas três ou quatro últimas décadas, quando o conhecimento passou a assumir posição privilegiada como fonte de poder e de riqueza, e a produtividade e a competitividade a depender predominantemente da capacidade de gerar e aplicar produtivamente o conhecimento na produção de inovações tecnológicas, é possível falar, como Castells, que estamos vivendo em uma "nova economia", a qual "se desarrolla de forma desigual y de forma contradictoria, pero que se desarrolla en todas las áreas del mundo" (Castells, 2000: 1). Conforme Castells, esta nova economia pode ser caracterizada por três grandes aspectos interrelacionados:
"es una economia que esta centrada en el conocimiento y en la información como bases de producción de la productividad y bases de la competitividad, tanto para empresas como para regiones, ciudades y países" (Castells, 2000: 1)
"es una economia global. Global no quiere decir que todo esté globalizado, sino que las actividades económicas dominantes están articuladas globalmente y funcionam cómo una unidad en tiempo real" (Castells, 2000: 2)
"es una economia que funciona en redes, en redes descentralizadas dentro de la empresa, en redes entre empresas y en redes entre las empresas y sus redes de pequeñas y medias empresas subsidiárias" (Castells, 2000: 2)
Castells enfatiza que esta "nova economia" tem uma base tecnológica, constituída por tecnologias de informação e comunicação de base microeletrônica, e uma forma central de organização, que ele entende ser a internet: "internet no es una tecnologia, internet es una forma de organización de la actividad"(Castells, 2000: 3). Dessa forma Castells apresenta a internet como equivalente à fábrica na era industrial: "lo que era la fabrica en la gran organización en la era industrial, es internet en la Era de la Información" (Castells, 2000: 3). Com base nesta concepção Castells irá desenvolver a noção de "sociedad red", uma sociedade cuja estrutura social é construída a partir de redes de informação com base na tecnologia de informação microeletrônica da internet. Ou seja, a internet
"constituye la base material y tecnológica de la sociedade red, es la infraestructura tecnológica y el medio organizativo que permite el desarrollo de una serie de nuevas formas de relación social que no tienen su origen en internet, que son fruto de una serie de cambios históricos pero que no podrían desarrollarse sin internet. (...) Internet es el corazón de un nuevo paradigma sociotécnico que constituye en realidad la base material de nuestras vidas y de nuestras formas de relación, de trabajo y de comunicación. Lo que hace internet es procesar la virtualidad y transformarla en nuestra realidad, constituyendo la sociedad red, que es la sociedad en que vivimos" (Castells, 1998: 12).

Estas idéias são aprofundadas por Castells em A sociedade em rede (Castells, 1999), o primeiro volume de sua monumental trilogia A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Neste livro, cuja elaboração durou doze anos, o autor fundamenta-se em amplo conjunto de informações empíricas e procura dar conta da descrição e análise das estruturas sociais emergentes no final do século vinte.
A contribuição de Castells à nossa discussão apresenta quatro aspectos principais: a centralidade da tecnologia da informação; o refinamento da teoria sociológica, com a proposição da articulação do conceito clássico de modo de produção à noção, por ele desenvolvida, de modo de desenvolvimento; a compreensão do papel do Estado no desenvolvimento econômico e tecnológico, deixando de lado a visão reducionista e ideologizada das perspectivas liberais do Estado mínimo; e a caracterização da sociedade informacional como uma sociedade em rede.
Sobre o papel do Estado penso que é suficiente citar uma frase contida na conclusão de uma erudita e esclarecedora digressão sobre a importância do Estado para o desenvolvimento industrial da Europa após o século 16 e para a não industrialização da China na mesma época. Ao comparar os dois processos Castells destaca que
"o que deve ser guardado para o entendimento da relação entre a tecnologia e a sociedade é que o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza as forças sociais dominantes em um espaço e uma época determinados" (Castells, 1999: 31).

Ao observar que a tecnologia da informação foi essencial para o processo de reestruturação do sistema capitalista a partir dos anos 1980, Castells mostra que o desenvolvimento tecnológico foi moldado pela lógica e pelos interesses do capitalismo avançado, ainda que não tenha se restringido à expressão desses interesses, mesmo porque também o estatismo16 tentou redefinir os meios de alcançar seus objetivos estruturais por meio da tecnologia da informação. O importante a reter aqui é a existência de uma inter-relação empírica entre modos de produção (capitalismo, estatismo) e modos de desenvolvimento (industrialismo, informacionalismo), a qual, contudo, não dissolve a distinção analítica entre os dois conceitos. A abordagem de Castells assume uma perspectiva teórica clássica da sociologia, postulando "que as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder" (Castells, 1999: 33). A produção é organizada em relações de classe que estabelecem a divisão e o uso do produto em termos de investimento e consumo. A experiência se estrutura pelas relações entre os sexos (até agora organizada em torno da família) e o poder tem como base o Estado e o monopólio do uso da violência.
É neste quadro teórico que Castells situa a nova estrutura social, que "está associada ao surgimento de um novo modo de desenvolvimento, o informacionalismo. É muito interessante a discussão teórica iniciada aqui sobre as diferenças entre sociedade da informação e sociedade informacional (Castells adota esta última, por analogia ao significado de sociedade industrial), mas não tenho espaço para apresentá-la, restringindo-me a indicar o que é a noção de modo de desenvolvimento: "procedimentos mediante os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o produto, em última análise, determinando o nível e a qualidade do excedente" (Castells, 1999:34). Cada modo de desenvolvimento é definido pelo elemento que promove a produtividade. Assim, o que define o modo informacional de desenvolvimento é a "ação de conhecimentos sobre os próprios conhecimentos como principal fonte de produtividade"(Castells, 1999:35), o que, segundo o autor, nos conduz a um novo paradigma tecnológico, baseado na tecnologia da informação.
A essa altura Castells apresenta como característica importante da sociedade informacional, ainda que não esgote todo o seu significado, "a lógica de sua estrutura básica em redes, o que explica o uso do conceito de 'sociedade em rede'" (Castells, 1999:46, nota 33). O surgimento da sociedade em rede torna-se possível com o desenvolvimento das novas tecnologias da informação que, no processo, "agruparam-se em torno de redes de empresas, organizações e instituições para formar um novo paradigma sociotécnico" (Castells, 1999:77), cujos aspectos centrais representam a base material da sociedade da informação.
Castells destaca cinco aspectos centrais do novo paradigma: a informação é matéria-prima; as novas tecnologias penetram em todas as atividades humanas; a lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações usando essas novas tecnologias; a flexibilidade de organização e reorganização de processos, organizações e instituições; e, por fim, a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, conduzindo a uma interdependência entre biologia e microeletrônica (Castells, 1999: 78-9).
Para finalizar este brevíssimo resumo das idéias desenvolvidas por Castells, entendo que é preciso apresentar o seu conceito de rede, que parte de uma definição inicialmente muito simples - "rede é um conjunto de nós interconectados" (Castells, 1999: 498) - e vai evoluindo em complexidade até nos oferecer uma ferramenta de grande utilidade para dar conta da complexidade da configuração das sociedades contemporâneas sob o paradigma informacional. Assim, diz Castells, definindo ao mesmo tempo o conceito e as estruturas sociais empíricas que podem ser analisadas por ele,
"redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio" (Castells, 1999: 499)

Esta definição dá ao autor uma ferramenta poderosa para suas análises e observações e lhe permite apresentar alguma conclusões provisórias sobre os processos e funções dominantes na era da informação, indicando que "a nova economia está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamento e informação" (1999: 499) e que "os processos de transformação social sintetizados no tipo ideal de sociedade em rede ultrapassam a esfera das relações sociais e técnicas de produção: afetam a cultura e o poder de forma profunda" (1999: 504).


A Universidade e a inovação tecnológica na sociedade em rede
As mudanças na organização do trabalho, a introdução de novas tecnologias de gestão e de produção, a centralidade das tecnologias de informação e comunicação e a ubiqüidade da internet na sociedade contemporânea exigem um novo tipo de trabalhadores altamente qualificados, dotados de conhecimento e de informação e de habilidades gerais de abstração, comunicação e cooperação, que sejam capazes de produzir, disseminar e operar as inovações tecnológicas que sustentam esta nova economia e esta nova sociedade. Como destaca Manuel Castells, "son innovadores capaces de tener ideas y aplicarlas, los que constituyen, realmente, la materia prima de esta nueva economia" (2000:6).
Se queremos, como foi dito na página inicial deste trabalho, gerar uma capacidade de inovação tecnológica e social num país, numa região ou numa comunidade, precisamos de pessoas com conhecimento e idéias, que tenham curiosidade intelectual e que saibam pesquisar, filtrar, selecionar e utilizar com criatividade as informações disponíveis nas inúmeras bases de dados e meios de informação existentes na internet. Estas pessoas, como diz ironicamente Castells, "no se generan por razones genéticas, ¿cierto?" (Castells, 2000: 6) e, portanto é necessário produzi-las. Para isso é fundamental a educação. Mas educação, o sabemos, não se resume ter boas escolas (aliás, o que é uma boa escola?). Trata-se é de desenvolver um sistema educativo capaz de formar pessoas com autonomia intelectual e agilidade de pensamento, que sejam capazes de auto-programação e de aquisição de conhecimentos pelo resto da vida.
Isto inclui desde a pré-escola até a universidade, claro – e a universidade tem papel central e preponderante na constituição desse sistema, como será referido a seguir – mas é preciso ir além. A formação de capacidade de inovação numa região passa pelo conceito de cidade educativa17, definida por Castells como "el conjunto de del sistema de relaciones sociales locales que produce un sistema de información interactiva, que desarrolla la capacidad educativa en un sentido amplio y no simplesmente de adquisición de conocimientos" (Castells, 2000: 6).
Tanto nesse processo de desenvolvimento da "cidade educativa", como no sentido mais amplo de construção de uma capacidade de inovação tecnológica em contextos sociais concretos, destaca-se o papel da universidade. Castells, para quem a capacidade em inovação tecnológica e empresarial na nova sociedade em rede precisa de meios de inovação concentrados territorialmente, destaca a cidade como um desses meios de inovação, que funcionam como centros de atração dos dois elementos chave dos sistemas de inovação tecnológica: "la capacidad de innovación, es decir, talento, personas com conocimiento y ideas, y (...) capital, sobretodo capital riesgo, que es el capital que permite la innovación" (Castells, 2000: 5). E, completa Castells, a relação entre cidade e universidade é fundamental na nova economia. Não apenas porque as universidades são fatores de crescimento econômico, tecnológico e empresarial, mas porque "son un factor de creación de ciudad (...) un elemento esencial de la producción de mano de obra cualificada, de innovadores y de personas com ideas nuevas" (Castells, 2000: 7). Afinal, a "nova economia" depende de gente que aprende a pensar ou a enfocar as coisas de novas maneiras, e isso depende fundamentalmente da qualidade do sistema de educação universitária.
E aqui encontramos talvez o nó górdio da indução de capacidade local de inovação tecnológica. Isso porque, ainda com Castells, embora a universidade "debe ser y debiera ser el centro de innovación fundamental, puesto que es lo que está en la vanguardia del pensamiento y, de manera autónoma y independiente, debiera plantear los problemas que (...) la sociedad no puede plantear" (Castells, 1998:1), o que encontramos mais freqüentemente nas universidades frente ao risco da inovação são reações conservadoras, defesa de privilégios corporativos e uma imensa preocupação com a comodidade pessoal que se manifestam na adesão cega e irracional a rotinas burocráticas.
As necessidades crescentes de construção de capacidade de inovação colocadas pelo contexto político, econômico, social e tecnológico da sociedade em rede descrita nas páginas anteriores têm desafiado as universidades para que se incorporem às novas formas de pensar, fazer e pesquisar da era da informação e para que ofereçam maior flexibilidade e melhor qualidade na oferta de serviços educacionais, garantindo um acesso mais amplo a uma educação superior de maior qualidade através do uso das novas tecnologias da informação e comunicação. Mais ainda, este esforço não deve ser restrito à área acadêmica, com a introdução de novas metodologias e tecnologias educacionais, mas deve se estender também à área administrativa, com a adoção de novas técnicas e metodologias de gestão. Em todas as áreas de atuação da universidade as novas tecnologias da informação e da comunicação podem transformar a maneira como as tarefas são realizadas, desvelando toda uma série de novos relacionamentos e alianças, e podem mesmo chegar a revolucionar o modo de operação e a estrutura da universidade.
Conforme foi visto, vivemos hoje na era da informação e na sociedade rede, uma forma social na qual o conhecimento é hiper-acelerado (dependendo do campo de conhecimento o estoque de saber muda em poucos meses), de modo que os diplomas iniciais são obsoletos em pouquíssimo tempo e temos de aprender a aprender permanentemente. Ao mesmo tempo, os problemas são crescentemente pluridisciplinares e os campos do saber são explodidos e se interpenetram cada vez mais, de modo que as disciplinas acadêmicas estão ultrapassadas e o conhecimento universitário é utilizado não mais em profissões mas em "funções de trabalho". Estima-se que exista algo em torno de 12 a 18 mil funções de trabalho, de forma que uma carreira profissional permite atuar em centenas de funções de trabalho. Como as grandes universidades oferecem não mais do que 100 cursos/carreiras, um dos grandes dramas da universidade é formar para 12 a 18 mil funções de trabalho com não mais de 100 carreiras, o que explica as dificuldades da universidade para cumprir com as exigências do mercado de trabalho. Por outro lado, mesmo perplexa e desorientada frente à realidade da sociedade do conhecimento, a universidade permanece como um dos pilares mais sólidos e mais necessários da sociedade contemporânea, ainda que seja evidente sua necessidade de transformar-se para satisfazer melhor às necessidades do seu entorno social.
Neste quadro, não se justifica mais, por exemplo, a separação disciplinar do conhecimento e a estruturação da universidade numa estrutura hierárquica tipo árvore – em que a universidade é construída pela criação de faculdades que, por sua vez se dividem em departamentos que de dividem em matérias que se dividem em disciplinas. A capacidade de adaptação às mudanças referidas acima exige a superação da fragmentação das unidades através da criação de unidades mais amplas que promovam as interações entre todos os elementos constituintes da universidade. Estas interações devem ser buscadas e estimuladas de diversas formas, desempenhando papel importante neste tópico as redes eletrônicas, mas sem descuidar da construção de ambientes de comunicação que permitam interações as mais diversas, inclusive locais e interpessoais.
Isto posto, é preciso ter claro que também no Brasil as transformações societais que afetaram o mundo nestas últimas décadas chegaram causando um forte impacto na dinâmica econômica e na organização da sociedade, bem como no âmbito da educação superior, onde podem ser identificados, ao lado do reconhecimento da importância da educação superior como fator crítico para a competitividade do país numa economia mundial centrada no valor econômico do conhecimento e de uma crescente expansão, diversificação e segmentação da demanda por educação superior em todas as suas modalidades, o acirramento e a desterritorialização da concorrência entre as universidades e exigências crescentes por maior qualidade, flexibilidade e dinamismo na oferta de seus serviços.
Assim, para a construção de capacidade de inovação em contextos sociais concretos – e considerando, como foi dito anteriormente, que a inovação tecnológica ocorre na empresa mas depende da interação entre empresa e universidade e da atuação do Estado, seja na formatação de políticas de inovação, seja no financiamento da pesquisa tecnológica – é necessário tanto capacitar a universidade brasileira a gerar conhecimento voltado para a inovação tecnológica e a formar pessoas capazes de trabalhar nos centros de P&D empresariais, quanto estimular o setor empresarial a investir em P&D, a abrir seus laboratórios para estágios remunerados e a buscar financiamento para o desenvolvimento de projetos conjuntos com as universidades.
Para intensificar o diálogo entre universidade e empresas, um instrumento importante seria a constituição de conselhos consultivos nas universidades com a participação efetiva de representantes de empresas inovadoras ou de suas entidades representativas. Estes conselhos teriam, entre outras, as funções de assessorar a administração dos cursos, manter os currículos atualizados, assegurar o funcionamento de um sistema de estágios e ajudar a colocar os profissionais no mercado, além de funcionarem como "antenas" para a criação de cursos que atendam às necessidades das novas funções de trabalho demandadas pela sociedade.
Outro mecanismo para a priorização da geração de conhecimento voltado à inovação tecnológica e facilitar a relação entre universidade e empresas seria a criação de algum tipo de interface (entidade, fundação, etc.) para fazer a "ponte" do conhecimento científico com a aplicação industrial inovadora, além da inclusão, na missão da universidade (ou na sua carta de objetivos prioritários) a explicitação formal da necessidade da ligação com as empresas inovadoras e da ênfase no desenvolvimento da inovação tecnológica.
Por fim, nesta listagem certamente inicial e incompleta, seria fundamental tocar na questão dos fundos públicos para a indução da inovação, instituindo-se mecanismos de contrapartida que garantam que o aumento do investimento público na pesquisa científica e tecnológica conduza ao aumento dos investimentos da iniciativa privada.
E como as universidades não existem soltas no espaço, mas sim fortemente ancoradas numa região, é preciso que haja um estímulo às universidades regionais, entendidas estas como universidades que definam-se em função do seu entorno, que estabeleçam o que querem ser sempre considerando as necessidades do desenvolvimento regional.
É preciso ter claro que a universidade precisa reencontrar seu sentido nesse novo mundo complexo, turbulento e interligado por redes as mais diversas. Num mundo convertido numa grande rede de comunicações e suporte à informação (Castells, 1999) a universidade não pode mais se fechar dentro de si mesma, precisando, ao contrário, articular-se com as demais entidades e instituições em todo o planeta, compartilhando pessoas e recursos. Ao mesmo tempo, compreendendo que nesta grande rede de comunicações coexistem sistemas complexos que interagem fortemente procurando adaptar-se a um ambiente que se modifica na medida mesma em que os sistemas interagem entre si e com o ambiente, a universidade também precisa perceber-se como um sistema complexo que precisa modificar-se continuamente para adaptar-se às alterações do ambiente em que existe.
Ao lado da pertinência e da relevância social das suas atividades - maior qualidade e diversidade de serviços educacionais, maior capacidade de resposta às demandas da sociedade, maior relevância da produção intelectual e da pesquisa, ampliação do acesso à graduação, ênfase nas relações internacionais e interinstitucionais (UNESCO, 1999) - as universidades precisarão também se preocupar com a competitividade - maior eficiência e eficácia dos processos, estruturas mais flexíveis, decisões mais ágeis e melhor informadas, gestão mais profissional - e com a ampliação e aperfeiçoamento da interatividade com a comunidade – tanto a comunidade acadêmica internacional como a comunidade local/ regional e o setor empresarial.
Existindo num ambiente turbulento e em constante movimento, a universidade precisa perceber que seu objeto específico de atuação, o conhecimento, modifica-se num ritmo cada vez mais rápido de inovações científicas e tecnológicas, o que tem conseqüências diretas e impactantes para a universidade, que precisa tomar decisões cruciais sobre seus modos de organização e funcionamento, sempre tendo em mente que sua competência específica, aquilo que justifica a sua existência e para o que foi criada, é a capacidade de criar, difundir e aplicar conhecimento, formulando novas questões e gerando novas idéias, que sejam comprometidas com a transformação do presente e a construção do futuro.







Referências bibliográficas

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CASTELLS, Manuel. La ciudad de la nueva economia. Barcelona: Universidad de Barcelona, 2000. Disponível na Internet em http://www.fbg.ub.es e em http://www.lafactoriaweb.com/articulos/castells12.htm (acessado em 30/03/2003).
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_______________. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
LIPIETZ, Alain. Audácia. Uma proposta para o século XXI. São Paulo: Nobel, 1991.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva, s.d.
MACHADO, Lucília. "Sociedade industrial X sociedade tecnizada". São Paulo, Universidade e Sociedade, ano III, n. 5, julho 1993, p. 32-37.
SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo: UNESP/Brasiliense, 1995.
SCHWARTZ, Gilson. "Guimarães Rosa na Cidade Tiradentes: anotações sobre a Cidade do Conhecimento". São Paulo, São Paulo em Perspectiva, 16(4), 36-40, 2002.
UNESCO. Tendências da educação superior para o século XXI. Brasília: UNESCO/CRUB, 1999.

* Trabalho apresentado no Seminário de Sociologia da Inovação, ministrado pelo professor doutor Renato de Oliveira no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Doutorado) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS no segundo semestre de 2004.

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